PROCESSO TRIBUTÁRIO Projetos de leis e as tendências para o contencioso tributário
Por Fernanda Camano e Camila Campos Vergueiro.
Da leitura dos projetos de leis elaborados pela Comissão de Juristas [1] é possível vislumbrar algumas tendências para o contencioso tributário.
Mais do que o exame do conteúdo das proposições em si, as propostas revelam sintomas de problemas vivenciados por quem é afetado pelo conflito tributário e, a partir delas (propostas e proposições), desenvolveremos uma série de artigos apresentando as perspectivas antevistas.
O objetivo deste texto não é analisar criticamente as propostas normativas apresentadas em cada um dos nove projetos de leis [2] voltados à temática do processo tributário, mas mirar o conjunto indicativo dos possíveis cenários que se desdobrarão sobre o contencioso tributário.
Muito embora os projetos de leis sejam temáticos e, normativamente, individualizados, há um fio condutor que os une: a ideia de redução da judicialização e de solução consensual do litígio tributário. Objetivos esses presentes em todos eles, seja naquele referente às alterações do CTN, em que se propõem programas de conformidade fiscal e facilitação da autorregularização do contribuinte, seja nos dedicados à mediação e à arbitragem, ou no que trata da consulta tributária, ao disciplinar a vinculação da resposta a todos os contribuintes, ainda que não consulentes, que se enquadrem nas mesmas situações fáticas e jurídicas.
Seria possível afirmar que a força centrípeta dos projetos de leis permeia três tópicos: (1) o sistema de precedentes, (2) o consenso substitutivo do conflito nas relações entre Fisco e contribuinte e (3) a adoção de mecanismos [3] administrativos de cobrança do crédito tributário.
Bom destacar que esse tripé já foi consolidado na ordem jurídica antes de ser contemplado pelos projetos de leis, muito embora em atos normativos esparsos de determinados entes tributantes, portanto, não dotados da sistematização tal como apresentada nos que resultaram do trabalho da comissão, e de forma geral no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015).
Com relação ao primeiro tema, o CPC/2015 promoveu a aquisição definitiva dos precedentes a serem observados pelo Poder Judiciário, a exemplo do artigo 927, para garantir a estabilidade e a uniformidade do direito. Esse objetivo já se anunciava no ordenamento desde a reforma do Judiciário consolidada na Emenda Constitucional 45/2004, limitadamente para decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), com a integração ao ordenamento da súmula vinculante, do julgamento com repercussão geral da matéria, da vinculação da decisão em controle de constitucionalidade em ação direta, e alterações recorrentes que foram promovidas no CPC/1973.
No plano federal, a Lei 10.522/2002 determinou que a administração pública observasse tais pronunciamentos, inclusive para casos similares (e não idênticos, conforme alteração da Lei 13.874/2019), materializada também na Portaria PGFN 502/2016, que estabeleceu a dispensa da Fazenda Nacional de litigar quando couber a "extensão a tema não especificamente abrangido pelos precedentes". Esse regramento é reiterado, por exemplo, com a projeção de acréscimo do artigo 194-B [4] ao CTN - atribuindo-se-lhe a natureza de norma geral em matéria tributária - e, ainda, no artigo 40 [5] do projeto legislativo sobre o processo administrativo tributário federal [6].
[1] Ato Conjunto 1/2022 do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal.
[2] A referência é ao:
- PL 2.481/2022 - altera a lei federal 9.784/1999;
- PLP 124/2022 ? altera o código tributário nacional;
- PLP 125/2022 ? institui o código de defesa dos contribuintes;
- PL 2.483/2022 ? altera o processo administrativo tributário federal ? revoga o decreto federal 70.235/1972;
- PL 2.484/2022 ? dispõe sobre o processo de consulta sobre a aplicação da legislação tributária federal e aduaneira;
- PL 2.485/2022 ? institui a mediação tributária federal;
- PL 2.486/2022 ? institui a arbitragem tributária e aduaneira federal;
- PL 2.488/2022 ? altera o processo de cobrança do crédito tributário - revoga a lei de execução fiscal; e
- PL 2.490/2022 ? trata da lei orgânica do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
[3] Opta-se por utilizar a expressão mecanismo porque em ambiente administrativo delineiam-se tanto soluções de natureza procedimental, como o pedido de revisão de débito inscrito em dívida ativa (PRDI), como processuais por supor a instalação de um conflito que convoca uma resposta jurisdicional, como o processo administrativo tributário.
Sobre a natureza procedimental do PRDI já experenciada em âmbito federal sugerimos a leitura do seguinte artigo de Paulo Cesar Conrado produzido nesta coluna: https://www.conjur.com.br/2022-set-25/processo-tributario-prdi-processo-ou-procedimento-colocando-pingos-is
[4] Art. 194-B. O trânsito em julgado de controvérsia tributária decidida pelo Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática da repercussão geral em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos em matéria infraconstitucional, favoravelmente a contribuintes ou responsáveis, terá eficácia vinculante para a administração tributária.
[5] Art. 40. No âmbito do processo administrativo tributário, têm efeito vinculante, inclusive para as Delegacias de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil:
I ? decisões reiteradas e uniformes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais consubstanciadas em súmulas;
II ? resoluções do Pleno da Câmara Superior de Recursos Fiscais;
III ? súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal (CF);
IV ? decisões transitadas em julgado do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, proferidas na sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos, na forma dos arts. 927 e 928 e 1036 a 1041 do Código de Processo Civil;
V ? decisões transitadas em julgado, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102, § 2º, CF); e
VI ? decisões transitadas em julgado do Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso que tenham declarado inconstitucionalidade de dispositivo legal, quando a execução deste tiver sido suspensa por resolução do Senado Federal (art. 52, X, da CF).
Conteúdo completo em: https://www.conjur.com.br/2022-nov-13/processo-tributario-projetos-leis-tendencias-contencioso-tributario