PROCESSO TRIBUTÁRIO Retificação de julgado no processo administrativo tributário paulista
Por Daniel Henrique Caciato e Rafael Pinheiro Lucas Ristow.
Este artigo tem por objetivo enfrentar a celeuma que cerca o enunciado veiculado no artigo 15 da Lei Paulista nº 13.457/2009 [1], que prevê o chamado pedido de retificação de julgado, cuja apresentação ocorre à revelia da suspensão ou a interrupção de prazo "para a interposição dos demais recursos previstos" na lei, o que, a nosso ver, vilipendia os cânones normativos que informam o processo administrativo tributário.
Para enfrentarmos essa questão faz-se necessário, desde logo, firmar algumas premissas metodológicas, não só como meio de expor a nossa posição sobre o tema, mas também para dar coerência e clareza às ideias que pretendemos apresentar.
Pois bem. O processo administrativo-tributário se desencadeia sob o pretexto do exercício de verdadeira atividade jurisdicional, uma vez que, como afirma Paulo Cesar Conrado [2], a jurisdição tem por objetivo compor conflitos de interesse, o que qualifica o processo administrativo-tributário como um típico instrumento voltado à estabilização das relações jurídico-tributárias conflituosas [3].
Daí que, impossível afastar o processo administrativo tributário da necessária influência dos cânones próprios ao modelo constitucional de processo, incluído, neste escaninho, o princípio do duplo grau de jurisdição.
No que tange, especificamente, ao chamado "pedido de retificação de julgado" - figura processual muito peculiar à legislação do contencioso tributário paulista - é possível observar no enunciado do § 1º do artigo 15 da Lei Paulista nº 13.457/2009, uma verdadeira contradictio in adjecto, uma vez que, em que pese o legislador utilize a expressão "demais recursos", como denotativa de advérbio de intensidade do verbo "interpor", não atribui ao pedido de retificação de julgado, ao menos não expressamente, a condição de típica espécie recursal, castrando-o dos efeitos próprios à recorribilidade administrativa, v.g., a suspensão ou interrupção do prazo para o aviamento de novos inconformismos.
Assim, ainda que a linguagem posta no dispositivo normativo expresse a referência aos vocábulos "para a interposição dos demais recursos previstos nesta lei", o legislador estadual extirpa-o dos efeitos que são inerentes aos instrumentos recursais, o que comprova a contradição acima apontada.
Conforme apontam Paulo Cesar Conrado e Rodrigo Dalla Pria [4], o legislador competente para a criação da normas processuais reguladoras do processo administrativo-tributário não é livre, não podendo se afastar dos limites impostos pela ideia de devido processo legal, o que inclui a necessidade de observância das técnicas/valores da recorribilidade e da segurança jurídica, que restam mitigadas pela ausência de previsão expressa, na legislação processual paulista, de suspensão ou interrupção do prazo para eventual recurso voltado à discussão de mérito da decisão impugnada.
Em razão disso, Rodrigo Dalla Pria [5] defende a ideia de que, independentemente da redação do dispositivo normativo estadual, o denominado pedido de retificação de julgado se insere no conceito jurídico-processual de "recurso", como meio voluntário apresentado pelas partes para espancar erros ou imprecisões do ato decisório, o que é, indiscutivelmente, de interesse de ambas as partes litigantes para que seja exequível a decisão prolatada, atendendo a necessária finalidade do processo administrativo-tributário como meio de solução de conflitos no âmbito jurisdicional, mas também de ferramenta conceptual para o exercício do controle de legalidade da imposição tributária.
[1] "Artigo 15 - A decisão de qualquer instância administrativa que contiver erro de fato será passível de retificação, devendo o processo ser submetido à apreciação do respectivo órgão de julgamento.
§ 1º - O pedido de retificação deverá ser interposto no prazo de 30 (trinta) dias contados da intimação da decisão retificanda, com a demonstração precisa do erro de fato apontado, não implicando suspensão ou interrupção de prazo para a interposição dos demais recursos previstos nesta lei."
[2] CONRADO, Paulo Cesar. Processo Tributário. 3ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 103.
[4] DALLA PRIA, Rodrigo; CONRADO, Paulo Cesar. Aplicação do Código de Processo Civil ao processo administrativo tributário. In: CONRADO, Paulo Cesar; ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (Coord.). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário, 2ª.ed. São Paulo: Fiscosoft, 2016, p. 257.
[5] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Tributário. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2021. p. 679.
Conteúdo completo em:https://www.conjur.com.br/2023-jan-08/processo-tributario-retificacao-julgado-processo-administrativo-tributario